Esta lógica parece, porém, não servir de esteio no que tange à radiodifusão em algumas cidades brasileiras. A despeito do aspecto factual – elas não deixarão de existir como voz ativa que reverbera e se multiplica de modo exponencial –, o seu funcionamento continua proibido por conta de interpretações restritas – e, na opinião de muitos juízes, equivocadas - do aparato legal instaurado, sobretudo pela Constituição Federal.
A regulamentação municipal não criaria nada novo. Só viria para disciplinar o funcionamento das existentes e, aí sim, fechar as rádios que não operassem de acordo com o conceito e as regras definidas para as “comunitárias”. Um exemplo é a capital paulista, onde o então prefeito José Serra (PSDB) sancionou o projeto de lei, de conteúdo similar ao de Pelotas, atualmente em estudo pelo Supremo Tribunal Federal.
Eis o cenário atual. De um lado, as comunitárias tentando convencer a todos de que não são piratas porque “não estão atrás do ouro”. De outro, as legais assumindo preocupações financeiras e alegando interesses econômicos e políticos nas ações comunicativas dos novos “detentores de antenas”. Nesta visível queda de braço entre as emissoras definidas como comerciais e comunitárias faz-se imperativo diferenciar “legalismo” de inconstitucionalidade, já que o debate político migrou para a seara jurídica entre os que não apóiam a municipalização em Pelotas.
Autor da obra “Rádio Comunitária”, o juiz federal aposentado, Paulo Fernando Silveira – cujo parecer tem fundamentado a municipalização em Uberaba (MG), São Paulo (SP), Canguçu (RS) e São Gonçalo (RJ) – ensina a questionar sobre qual esfera do governo tem competência para interferir neste direito fundamental, que consiste na comunicação e no direito à informação. “A federal, a estadual ou a municipal?”, indaga.
Quem julga conhecer leis deve também saber sobre a inexistência de hierarquia entre as três instâncias. Desta feita, assevera-se que uma lei federal não vale mais do que uma municipal. Pela nossa “Carta Magna”, cada ente político tem a sua esfera de atuação que não pode ser invadida. A regra constitucional, ao estender essa competência ao Estado, fere um princípio: portanto, é inconstitucional.
O artigo 5º da Constituição Federal exibe a constitucionalidade de uma atividade com este estatuto: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. E o parágrafo 5º do artigo II do artigo 220 vai além ao prescrever que os meios de comunicação social não podem ser objeto de monopólio ou oligopólio. A mesma Constituição esclarece, no artigo 30, inciso primeiro, que todo assunto local é competência do município. Ademais, impera a prevalência de princípios sobre as leis, assim como estas o fazem em relação a decretos.
Outra cláusula que habilita as Câmaras Municipais a disporem sobre o assunto concerne ao Pacto de São José da Costa Rica, assinado pelo Brasil em 1969 e convertido em lei ordinária brasileira em 1992. Segundo o artigo 13 da Convenção, hoje integrante do ordenamento jurídico nacional, a liberdade de pensamento e de expressão a qual todos têm direito abrange também a mídia. Ainda que signatário do acordo, o País foi denunciado, em 2005 pela Associação Mundial de Rádios Comunitárias, como uma nação que viola, coíbe, omite-se e não propicia a livre comunicação.
Paulo Oppa é arquiteto urbanista, ex-secretário municipal de Habitação e Cooperativismo e líder da bancada do PT na Câmara.
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